Até 2030, mais de meio bilhão de pessoas devem ser diagnosticadas com diabetes. Atualmente, o Brasil é o sexto país com a maior população de diabéticos do mundo.
Uma das complicações mais frequentes da doença é a retinopatia diabética, que, por sua vez, é uma das principais causas de cegueira evitável em adultos.
Hoje, não há estratégia nacional de rastreamento de retinopatia diabética pelo SUS. Por isso, ações sociais para o diagnóstico da doença em comunidades com infraestrutura deficitária em saúde são tão importantes.
Como exemplo, temos o Mutirão do Diabetes de Itabuna (BA) e o Iluminar, no interior do estado de Sergipe, apoiado pela ONG Retina Global. A instituição norte-americana atua na criação de soluções sustentáveis para o controle de doenças da retina em áreas carentes do mundo todo.
O interior do estado de Sergipe tem altos índices de analfabetismo e não oferece atendimento especializado em retina fora da capital, Aracaju. Para se ter uma ideia, o número médio de tratamentos a laser realizados anualmente entre 2017 e 2022 é de apenas 126 para uma população estadual de 2,3 milhões.
De setembro de 2021 a março de 2022, o Iluminar utilizou o retinógrafo portátil Eyer para triagem de retinopatia diabética em Itabi, Graccho Cardoso, Canindé de São Francisco e Poço Redondo.
O equipamento funciona acoplado a um smartphone e realiza exames de retina em poucos minutos, com alta qualidade, e disponibiliza as imagens na plataforma online EyerCloud, facilitando laudos remotos.
Os resultados do projeto piloto foram apresentados no ARVO 2023, um dos congressos internacionais mais renomados da oftalmologia, que ocorreu em abril nos Estados Unidos.
O estudo
Um dos líderes do projeto Iluminar, o oftalmologista Fernando Malerbi, explica que o objetivo do estudo clínico observacional retrospectivo foi avaliar a capacidade de graduação da imagem da retina obtida com uma câmera retiniana portátil de baixo custo e não midriática — no caso, o Eyer — e o uso de inteligência artificial e telemedicina na triagem de retinopatia diabética (RD).
Ao todo, 968 pessoas com diabetes foram avaliadas:
- 65,9% eram mulheres;
- Idade média de 60,3 ± 14,2 anos;
- Duração do diabetes de 8,0 ± 7,2 anos;
- 64,2% tinham hipertensão sistêmica;
- 17,7% faziam uso de insulina;
- 28,5% haviam realizado exame de fundo de olho no passado;
- 20,6% eram analfabetos;
- 50,6% tinham apenas o ensino fundamental;
- 3,4% tinham plano de saúde.
Um técnico treinado obteve as imagens oculares sem dilatação da pupila e depois avaliou a qualidade da imagem. A RD encaminhável, definida como não proliferativa grave ou proliferativa ou a presença de maculopatia diabética, foi detectada automaticamente por um sistema de inteligência artificial (IA) embutido no dispositivo, o EyerMaps. Na ocasião, a IA foi disponibilizada para validação clínica.
O EyerMaps apontou possibilidade de retinopatia com alta taxa de sensibilidade em alguns segundos. Todos os exames foram posteriormente avaliados por oftalmologistas.
Os pacientes com imagens inadequadas foram submetidos à dilatação pupilar e, a seguir, nova avaliação. Aqueles com imagens não graduáveis mesmo após midríase, juntamente com casos de RD encaminháveis, foram conduzidos para avaliação oftalmológica.
Já os critérios de exclusão foram opacidades da córnea que impediam a classificação de RD. A principal medida de resultado foi a gradabilidade da imagem.
Os resultados
A classificação foi possível para 858 indivíduos (88,6%), sendo que 85 destes (9,9%) apresentaram RD encaminhável. A não classificação foi associada à idade avançada e maior duração do diabetes.
Dentre os pacientes com imagens graduáveis, 81% não precisaram de dilatação pupilar. A necessidade de midríase esteve associada à idade avançada, maior duração do diabetes, maiores taxas de hipertensão e RD mais grave.
A estratégia de usar uma câmera portátil de baixo custo com sistema de IA embutido e midríase, quando necessário, obteve imagens adequadas em 90% dos casos em um ambiente real com poucos recursos. “Evitar a dilatação pupilar desnecessária contribui para aumentar a adesão aos programas de triagem de retinopatia diabética”, pontua Malerbi.
Portabilidade facilitou triagem
A triagem, inédita na região, foi realizada em clínicas de atenção primária localizadas próximas às residências dos pacientes para incentivar a adesão.
Malerbi aponta que a portabilidade do Eyer foi um dos facilitadores para isso, assim como a conectividade. “Contamos com especialistas remotos avaliando as imagens, às vezes em tempo real”, explica. Todos os exames foram enviados para o EyerCloud.
Por fim, Malerbi também ressalta a disponibilidade do EyerMaps para uso na ação social. “Os oftalmologistas parceiros eram notificados instantaneamente toda vez que o EyerMaps identificava alta chance de retinopatia. Assim, podíamos direcionar os pacientes prioritários para exame de confirmação e, quando indicado, o tratamento”, conta.
A IA detecta com alta acurácia qualquer suspeita de anormalidades retinianas. Em poucos segundos após capturar a foto do fundo do olho, caso uma suspeita de alteração seja detectada, o sistema gera uma nova imagem com um mapa de atenção (heatmap) destacando potenciais anormalidades na retina.
Sincronizada ao EyerCloud, classifica de forma simples e visual as imagens e exames capturados em função da probabilidade de alteração utilizando marcadores coloridos:
- Verde: imagem ou exame com baixa probabilidade de alteração (até 30%);
- Amarelo: imagem ou exame com média probabilidade de alteração (de 31 a 70%);
- Vermelho: imagem ou exame com alta probabilidade de alteração (71 a 100%).
Todos os pacientes diagnosticados com retinopatia diabética foram encaminhados para tratamento de laser gratuito.