Em 2019, o Conselho Federal de Medicina (CFM) chegou a publicar uma nova regulamentação que incluía consultas online, telecirurgias e telediagnóstico, dentre outras frentes. Entretanto, a resolução foi revogada rapidamente porque sofreu várias críticas de entidades e médicos, como falta de clareza no texto.
Enquanto reavaliavam as normas, a pandemia de Covid-19 forçou o uso da telemedicina para garantir atendimento médico com segurança nesse período. Em caráter emergencial, foram liberadas consultas, emissão de receitas, diagnósticos, laudos de exames e atestados médicos à distância, via internet.
Agora, o CFM publicou a Resolução nº 2.314/2022 que define e regulamenta a telemedicina no Brasil como forma de serviços médicos mediados por tecnologias e de comunicação. Em seguida, saiba o que muda com a nova resolução e como aplicar no dia a dia da clínica.
Telemedicina no Brasil – uso é decisão exclusiva do médico
Antes de tudo, a norma assegura ao médico a autonomia de decidir se utiliza ou não a telemedicina, indicando o atendimento presencial sempre que entender necessário.
“A consulta médica presencial permanece como padrão ouro, ou seja, referência no atendimento ao paciente. Mas a pandemia mostrou que a telemedicina pode ser um importante ato complementar à assistência médica, permitindo o acesso a milhares de pacientes”, destacou o relator da norma, Donizetti Giamberardino.
Para o presidente do CFM, José Hiran Gallo, trata-se de um método que, especialmente durante a pandemia, demonstrou sua grande capacidade de levar assistência às cidades do interior e beneficiar também os grandes centros, reduzindo o estrangulamento causado pela demanda e pela migração de pacientes em busca de tratamento.
O ponto de partida para a elaboração da recém-aprovada Resolução, de acordo com a CFM, foi também colocar a assistência médica brasileira em sintonia com a inovação e os avanços da tecnologia.
Telemedicina no Brasil – novas regras
Uma Comissão Especial do CFM avaliou quase duas mil propostas sobre o uso da ferramenta, enviadas por médicos atuantes dos serviços públicos e privados.
Além disso, entidades médicas de todo o país também apresentaram suas contribuições, como a Associação Médica Brasileira (AMB), a Federação Nacional dos Médicos (Fenam), a Federação Médica Brasileira (FMB), Conselhos Regionais de Medicina (CRMs), sociedades de especialidades, associações médicas e sindicatos médicos.
A resolução estabelece que a telemedicina é “exercício da medicina mediado por Tecnologias Digitais, de Informação e de Comunicação (TDICs), para fins de assistência, educação, pesquisa, prevenção de doenças e lesões, gestão e promoção de saúde”, podendo ser realizada em tempo real on-line (síncrona), ou off-line (assíncrona).
O atendimento à distância poderá ser realizado por meio de sete diferentes modalidades:
Teleconsulta
Caracterizada como a consulta médica não presencial, mediada por TDICs, com médico e paciente localizados em diferentes espaço.
Teleconsultoria
Ato de consultoria mediado por TDICs entre médicos, gestores e outros profissionais, com a finalidade de prestar esclarecimentos sobre procedimentos administrativos e ações de saúde.
Teleinterconsulta
Ocorre quando há troca de informações e opiniões entre médicos, com ou sem a presença do paciente, para auxílio diagnóstico ou terapêutico, clínico ou cirúrgico. É muito comum, por exemplo, quando um médico da família e comunidade precisa ouvir a opinião de outro especialista sobre determinado problema do paciente.
Telediagnóstico
A emissão de laudo ou parecer de exames, por meio de gráficos, imagens e dados enviados pela internet também passa a ser permitida e é definida como telediagnóstico. Nestes casos, o procedimento deve ser realizado por médico com Registro de Qualificação de Especialista (RQE) na área relacionada.
Telecirurgia
É quando o procedimento é feito por um robô, manipulado por um médico que está em outro local. Essa modalidade foi recentemente disciplinada pela Resolução CFM nº 2.311/2022, que regulamentou a cirurgia robótica no Brasil.
Televigilância
Também conhecido por telemonitoramento, consiste no ato realizado sob coordenação, indicação, orientação e supervisão de parâmetros de saúde ou doença, por meio de avaliação clínica ou aquisição direta de imagens, sinais e dados de equipamentos ou dispositivos agregados ou implantáveis nos pacientes.
Teletriagem
Realizada por um médico para avaliação dos sintomas do paciente, à distância, para regulação ambulatorial ou hospitalar, com definição e direcionamento do mesmo ao tipo adequado de assistência que necessita ou a um especialista.
Telemedicina no Brasil – destaques
Em seguida, veja os principais pontos de destaque da nova resolução da telemedicina no Brasil:
Segurança e privacidade
Para assegurar o respeito ao sigilo médico, “os dados e imagens dos pacientes, constantes no registro do prontuário devem ser preservados, obedecendo as normas legais e do CFM pertinentes à guarda, ao manuseio, à integridade, à veracidade, à confidencialidade, à privacidade, à irrefutabilidade e à garantia do sigilo profissional das informações”.
O atendimento por telemedicina deve ser registrado em prontuário médico físico ou no uso de sistemas informacionais, em Sistema de Registro Eletrônico de Saúde (SRES) do paciente, atendendo aos padrões de representação, terminologia e interoperabilidade.
Os dados de anamnese e propedêuticos, os resultados de exames complementares e a conduta médica adotada por telemedicina também devem ser preservados, sob guarda do médico responsável pelo atendimento em consultório próprio ou do diretor técnico, no caso de interveniência de empresa ou instituição.
Com a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD), os consultórios, clínicas e entidades médicas têm obrigação de oferecer um ambiente confiável e seguro para a troca de dados, consultas on-line e envio de exames para laudo.
Concordância do paciente
A resolução estabelece que o paciente ou seu representante legal deve autorizar o atendimento por telemedicina e a transmissão das suas imagens e dados por meio de (termo de concordância e autorização) consentimento livre e esclarecido, enviados por meio eletrônico ou de gravação da leitura do texto e concordância, devendo fazer parte do SRES do paciente.
Estabelece ainda que, no caso de emissão à distância de relatório, ela deverá conter identificação do médico, incluindo nome, número do registro no CRM e endereço profissional do médico, identificação e dados do paciente, além de data, hora e assinatura do médico com certificação digital do médico no padrão ICP-Brasil ou outro padrão legalmente aceito.
Além disso, os dados pessoais e clínicos do teleatendimento médico devem seguir as definições da LGPD e outros dispositivos legais quanto às finalidades primárias dos dados.
Consulta presencial
O médico tem autonomia para decidir se a primeira consulta poderá ser, ou não, presencial. Reitera-se que o padrão ouro de referência para as consultas médicas é o encontro em pessoa, sendo a telemedicina um ato complementar. Os serviços médicos à distância não poderão, jamais, substituir o compromisso constitucional de garantir assistência presencial segundo os princípios do SUS de integralidade, equidade, universalidade a todos os pacientes.
Acompanhamento clínico
No atendimento de doenças crônicas ou doenças que requeiram assistência por longo tempo, deve ser realizada consulta presencial, com o médico assistente do paciente, em intervalos não superiores a 180 dias.
Segurança e sigilo
Os dados e imagens dos pacientes, constantes no registro do prontuário devem ser preservados, obedecendo as normas legais e do CFM pertinentes à guarda, ao manuseio, à integridade, à veracidade, à confidencialidade, à privacidade, à irrefutabilidade e à garantia do sigilo profissional das informações.
Termo de consentimento
O paciente ou seu representante legal deve autorizar expressamente o atendimento por telemedicina e a transmissão das suas imagens e dados.
Honorários médicos
A prestação de serviço de telemedicina, como um método assistencial médico, em qualquer modalidade, deverá seguir os padrões normativos e éticos usuais do atendimento presencial, inclusive em relação à contraprestação financeira pelo serviço prestado.
Territorialidade
As empresas prestadoras de serviços em telemedicina, plataformas de comunicação e arquivamento de dados deverão ter sede estabelecida em território brasileiro e estarem inscritas no CRM do estado onde estão sediadas, com a respectiva responsabilidade técnica de médico regularmente inscrito no mesmo Conselho.
Fiscalização
Os CRMs manterão vigilância, fiscalização e avaliação das atividades de telemedicina em seus territórios, no que concerne à qualidade da atenção, relação médico-paciente e preservação do sigilo profissional.
Telemedicina no Brasil – vantagens
A diminuição da distância, com acesso de qualidade a serviços na área de saúde, com toda a certeza é uma das principais vantagens da telemedicina no Brasil. Mas, há muito mais:
- Aumento do contato e troca de informações entre médico e paciente, gerando também maior acolhimento;
- Democratização do acesso à saúde, principalmente em locais com pouca infraestrutura de serviços de qualidade na área, como médicos, profissionais de saúde, equipamentos, medicamentos etc;
- Maior rapidez no atendimento, por meio de sistemas informatizados integrados a plataformas on-line com acesso via computadores, celulares e tablets;
- Garantia de segurança e sigilo de dados;
- Acesso a especialistas e profissionais de referência;
- Redução do tempo de atendimento e de custos operacionais;
- Facilidade na troca de informações entre os serviços de saúde;
- Diminuição do deslocamento de pacientes a hospitais e grandes centros urbanos;
- Facilidade na realização de exames, que podem ser feitos em clínicas e postos de saúde;
- Melhora na qualidade dos laudos emitidos;
- Acesso às capacitações e atualizações para os profissionais da saúde.
De fato, a telemedicina tem o potencial de melhorar e democratizar o acesso à saúde no Brasil e no mundo. Ela não veio para substituir a medicina tradicional, mas aperfeiçoá-la e transpor barreiras socioeconômicas e geográficas. Tudo isso em busca de oferecer saúde de qualidade para todos.
E como emprega-la no dia a dia? O oftalmologista Paulo Schor escreveu sobre isso no blog da Veja. Confira o artigo Consulta Diferente.
Fonte: Conselho Federal de Medicina
Revisado por Paulo Schor, médico oftalmologista, professor livre docente e diretor de inovação da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) e colaborador da Faculdade de Medicina do Hospital Albert Einstein.
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